quinta-feira, fevereiro 16, 2006

OTA e TGV

Decorreu no dia 17 de Fevereiro, pelas 21h30, no Ateneu Comercial do Porto um Debate sobre a “Importância dos grandes Projectos Estruturantes – nomeadamente TGV e OTA – na afirmação da Área Metropolitana do Porto no contexto do Noroeste Peninsular e Nacional”.

Moderado pelo jornalista do “Expresso” Jorge Fiel, o debate contou com intervenções dos "prós" Eng.º António Guilhermino Rodrigues (Presidente do Conselho de Administração da ANA/NAER) e Eng.º Alberto José Castanho Ribeiro (Administrador da REFER/RAVE), e os "contras" Eng.º Carlos Brito (Provedor do Cliente do STCP) e Dr. Paulo Morais (ex-vice presidente da Câmara Municipal do Porto).

Os principais argumentos a favor da realização daqueles grandes projectos parecem convencer... apenas os deputados socialistas presentes. Fiel a quem lhe assegura o lugar elegível nas listas para o parlamento, quem entrou “convencido”, convencido saíu. Os outros, não terão saído menos cépticos do que entraram, apesar de os argumentos invocados pelos “contras” não terem sido, a nosso ver, suficientemente consistentes e certeiros.

O Eng. Carlos Brito começou por se insurgir enfaticamente contra o excesso de tempo tomado pelos PRÓS, que realmente se alongaram em arrastadas explicações (com algumas ideias repetidas N vezes), mas acabou por fazer o mesmo, sem deixar uma ideia muito clara do que pensa e propõe. O Dr. Paulo Morais foi incisivo q.b. na sua apresentação, tendo exposto algumas perplexidades quanto aos números faraónicos em causa, nomeadamente os mais de 1000 euros de encargos por cada português (11 milhões de euros, só para o TGV) dificilmente justificáveis em face dos 700 euros brutos (ou 500 euros líquidos) que um português leva para casa ao fim do mês. Conseguiu igualmente vincar a ideia de que estes projectos serão iniciativas avulsas as quais não traduzem um modelo de desenvolvimento inspirador duma política governativa consistente.

A ANA, pelo seu representante, insiste que o projecto se propõe aproveitar fundos comunitários que de outro modo irão para outros países mas, por outro lado, disse também que a parcela de comparticipação comunitária andará pelos 20%, cabendo o resto ao país: com 10% directamente do Orçamento de Estado e o restante obtido por fundos próprios, recurso a crédito e a investidores. A REFER acrescenta a este argumento, igualmente invocado, uma hipotética necessidade urgente de, em nome do desenvolvimento, passar a usar-se em Portugal a bitola ferroviária europeia em vez da bitola ibérica. Acontece que, salvo nas novas linhas de alta velocidade, parece que a bitola na restante rede manter-se-á ibérica... E também não foi explicada aquela súbita urgência, nem quantificada a penalização real dos utentes em tempos de viagem ou no preço do bilhete pelo facto de a bitola usada não ser a centro-europeia.

Não ficou sequer demonstrado de que forma possa o desenvolvimento do país depender tão criticamente da actualização da ligação ferroviária à Europa central. Se assim fosse, como poderia a insular Irlanda, para citar apenas este exemplo paradigmático, continuar a crescer a um ritmo tão superior ao português... sem qualquer perspectiva de ligação ferroviária a Paris via Madrid!!!

Foi igualmente notada uma certa contradição ou falta de coordenação ente os dois projectos (OTA/TGV) quando o representante da ANA indicou como “prioridade nacional” que o aeroporto do Porto consolide a sua posição de líder no noroeste peninsular, captando mais e mais passageiros da Galiza. Como será isso possível se o projecto da REFER mantém o fim da linha TGV no Porto, não seguindo até à Galiza para alargar a muito citada "área de influência" do aeroporto, caracterizada por um tempo de acesso de 90 minutos. Foi ainda invocada a necessidade de rentabilização das recentes obras na linha do Minho (esquecendo que esse argumento também serve para adiar mesmo o TGV até ao Porto), e pretensas dificuldades orográficas e ambientais do Minho.

Decididamente os técnicos que fazem os estudos na REFER não devem ter estagiado na Suíça, nem na Àustria, nem na Itália ou mesmo em Espanha. Caso contrário teriam vergonha de invocar como objecção as modestas montanhas do Minho, comparadas com a majestade de Alpes e Pirinéus. O que se conclui mesmo de tanta argumentação esfarrapada e pseudo-técnica, é que, estrategicamente, o Terreiro do Paço teme que o Norte de Portugal e a Galiza, ainda mais juntos, possam desequilibrar a relação de forças entre o Noroeste e a região Lisboa e Vale do Tejo. Nenhuma outra "razão" poderia tornar mais prioritária uma ligação Évora-Faro do que Porto-Vigo.

Deste debate de sexta à noite no Ateneu Comecial do Porto, fica-se com a imagem amarga de mais uma tentativa, não totalmente frustrada, desta classe bem-falante dos gestores públicos de Lisboa, cadeias de transmissão do poder político central - uma tentativa de nos atirar com areia para os olhos, com o cândido beneplácito de alguns deputados do Porto e Braga presentes – cuja medíocre qualidade, atestada por estranhas intervenções, terá escandilzado não poucos eleitores esclarecidos, ali presentes.

E faltou também quem explicasse a razão de, no país do plano/choque tecnológico, se deixar cair a indústria ferroviária, precisamente no momento em que se estava a lançar o metro do Porto e se trabalhava já com afinco (desde inícios da década de 90) nos estudos para o TGV. Parece-nos isto tão absurdo como absurdo pareceria a D. João II mandar desmantelar os estaleiros da Ribeira das Naus, no momento em que decidiu preparar as grandes esquadras rumo à Índia e ao Brasil. A menos que alguém esteja já a fazer contas a melhores comissões, comprando a tecnologia no estrangeiro...